quarta-feira, 12 de novembro de 2008

REVISTA ESPAÇO ACADÊMICO

Reflexões sobre a promoção da saúde

A discussão do conceito de promoção da saúde tem como ponto de partida o próprio conceito de saúde (CZERESNIA; FREITAS, 2003). Mas o que é um indivíduo saudável? O que é estar com saúde? Para responder a estas perguntas é necessário ter um conceito de saúde e compreendê–lo (MOTTA, 2000).

Segundo a Organização Mundial de Saúde, saúde é um estado de completo bem estar físico, mental e social e, não meramente a ausência de doença e enfermidade. Esta afirmação também reforça a idéia de que a saúde é um direito humano fundamental (HPA, 2004).

Já a VIII Conferência Nacional de Saúde em 1986, define saúde como resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda , meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, acesso e posse da terra e acesso a serviços de saúde. Assim, antes de tudo, é o resultado das formas de organização social da produção, as quais podem gerar dificuldades nos níveis de vida (MOTTA, 2000). Esta definição mostra que para se conseguir atingir um ótimo nível de saúde é necessária a ação conjunta de vários setores sociais e econômicos juntamente ao setor saúde.

Também no ano de 1986 é realizada no Canadá, na cidade de Otawa, a I Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, que considera como condições necessárias para a existência de saúde: paz, educação, habitação, alimentação, renda, ecossistema estável, recursos sustentáveis, justiça social e eqüidade (BUSS, 2000).

Pode-se observar que a definição de saúde vem ampliando-se, incorporando diversas dimensões da vida humana. Mas, retomando a questão inicial: o que é um indivíduo saudável?

Esta é uma pergunta com resposta complexa, visto que a dificuldade de conceituar saúde é reconhecida desde a Grécia antiga (COELHO; ALMEIDA FILHO, 2002). Mas qual será a causa desta dificuldade na definição de saúde? Fala-se e escreve-se muito sobre este tema nos meios científicos, na mídia e no cotidiano; basta buscar em um site de buscas na Internet (neste exemplo, o site Google) a palavra saúde, que serão encontradas cerca de quatro milhões de páginas, somente na língua portuguesa, abordando este assunto. No entanto, como pode um assunto tão discutido e estudado apresentar-se de tão difícil conceituação?

Existe diversidade nas percepções e vivências do processo saúde/doença em cada contexto, cada sociedade, cada ambiente, além de haver também fantasias, medo e o imaginário presentes nesse processo, já que a saúde é uma preocupação existencial humana. Cada sociedade tem um discurso sobre saúde e doença e sobre o corpo, que corresponde à coerência ou às contradições de sua visão de mundo e de sua organização social (BORGES, 2002). Portanto, nota-se que saúde, não é algo estático, um estado, mas ao contrário, é um processo, algo dinâmico em constante mutação (MOTTA, 2000).

Se é tão difícil definir saúde como definir, então, promoção da saúde? Procurando no dicionário Houaiss, promoção pode significar: ato ou efeito de promover; ascensão a cargo, posto ou categoria superior; diligência do promotor; venda de alguns artigos com preços mais baixos; qualquer atividade (de propaganda, marketing, divulgação, relações públicas, etc) destinada a tornar mais conhecido e prestigiado um produto, serviço, marca, idéia, pessoa ou instituição.

Promoção da saúde é um conceito antigo, que vem sendo retomado e discutido nas últimas décadas, principalmente a partir do Informe Lalonde, no início da década de 70 (MOURA; GONÇALVES; CÔRREA, 2002), é importante também lembrar que a idéia de promover saúde antecede o uso explícito do termo (SOUZA; GRUNDY, 2004).

A Organização Mundial de Saúde define como promoção da saúde o processo que permite às pessoas aumentar o controle e melhorar a sua saúde. A promoção da saúde representa um processo social e político, não somente incluindo ações direcionadas ao fortalecimento das capacidades e habilidades dos indivíduos, mas também ações direcionadas a mudanças das condições sociais, ambientais e econômicas para minimizar seu impacto na saúde individual e pública. Entende-se por promoção da saúde o processo que possibilita as pessoas aumentar seu controle sobre os determinantes da saúde e através disto melhorar sua saúde, sendo a participação das mesmas essencial para sustentar as ações de promoção da saúde (HPA, 2004)

A concepção moderna de promoção da saúde (e a prática conseqüente) surgiu e se desenvolveu, de forma mais vigorosa nos últimos vinte anos, nos países desenvolvidos, particularmente no Canadá, Estados Unidos e países da Europa Ocidental. Quatro importantes Conferências Internacionais sobre Promoção da Saúde, realizadas nos últimos 12 anos - em Ottawa (1986), Adelaide (1988), Sundsvall (1991) e Jacarta (1997) -, desenvolveram as bases conceituais e políticas da promoção da saúde. Na América Latina, em 1992, realizou-se a Conferência Internacional de Promoção da Saúde (1992), trazendo formalmente o tema para o contexto sub-regional (BUSS, 2000).

As diversas conceituações disponíveis para a promoção da saúde podem ser reunidas em dois grandes grupos. No primeiro deles, a promoção da saúde consiste nas atividades dirigidas à transformação dos comportamentos dos indivíduos, focando nos seus estilos de vida e localizando-os no seio das famílias e, no máximo, no ambiente das culturas da comunidade em que se encontram. Neste caso, os programas ou atividades de promoção da saúde tendem a concentrar-se em componentes educativos, primariamente relacionados com riscos comportamentais passíveis de mudanças, que estariam, pelo menos em parte, sob o controle dos próprios indivíduos. Nessa abordagem, fugiriam do âmbito da promoção da saúde todos os fatores que estivessem fora do controle dos indivíduos. Já o segundo grupo de conceituações baseia-se no entendimento que a saúde é produto de um amplo espectro de fatores relacionados com a qualidade de vida, incluindo um padrão adequado de alimentação e nutrição, e de habitação e saneamento; boas condições de trabalho; oportunidades de educação ao longo de toda a vida; ambiente físico limpo; apoio social para famílias e indivíduos; estilo de vida responsável; e um espectro adequado de cuidados de saúde. (BUSS, 2000)

Para uma melhor visualização da cronologia do desenvolvimento no campo da Promoção da Saúde, a Agência para a Promoção da Saúde da Irlanda do Norte (HPA), propõe o seguinte esquema:

Desenvolvimento em Promoção da Saúde no período de 1974 a 2000

1974 – Informe Lalonde

1978 – Primeira Conferência Internacional sobre Atenção Primária de Saúde – Declaração de Alma Ata.

1981 – A Organização Mundial de Saúde unanimemente adota uma estratégia global: “Saúde para Todos no Ano 2000”.

1986 - Carta de Otawa sobre Promoção da Saúde.

1988 – Segunda Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Adelaide, Austrália.

1991 – Terceira Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Sundsval, Suécia.

1997 – Quarta Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde em Jacarta.

1998 – Resolução da Assembléia Mundial de Saúde (Promoção da Saúde).

2000 – Quinta Conferência Internacional sobre Promoção da Saúde, México.

Após este breve histórico do campo da promoção da saúde, torna-se necessário descrever as estratégias-chave da promoção da Saúde da Carta de Otawa, que foi o principal marco de referência da promoção da saúde em todo o mundo (BECKER, 2001). Segundo Sheiham (2001) estas estratégias podem ser assim resumidas:

1) Promoção de saúde através de políticas públicas: focalizando a atenção no impacto em saúde das políticas públicas de todos os setores e não somente do setor da saúde.

2) Criação de ambiente favorável através da avaliação do impacto em saúde do ambiente e evidenciar oportunidades de mudanças que conduzam à saúde.

3) Desenvolvimento de habilidades pessoais: ampliando a disseminação de informações para promover compreensão, e apoiar o desenvolvimento de habilidades pessoais, sociais e políticas que capacitem indivíduos a tomar atitudes de promoção de saúde.

4) Fortalecimento de ações comunitárias: apoiando ações comunitárias concretas e eficazes na definição de prioridades, tomada de decisões, planejamento de estratégias e implementá-las para atingir melhor padrão de saúde.

5) Reorientação de serviços de saúde: redirecionar o modelo de atenção da responsabilidade de oferecer serviços clínicos e curativos para a meta de ganhos em saúde.

Segundo a Health Promotion Agency for Northern Ireland – HPA (2004), os principais modelos e teorias utilizados na promoção da saúde podem ser resumidos assim:

1-Teorias que tentam explicar comportamentos e mudanças comportamentais focalizando no indivíduo.

2-Teorias que explicam mudanças em comunidades e ações comunitárias para a saúde.

3- Modelos que explicam mudanças em organizações e a criação de práticas organizacionais que incentivem hábitos saudáveis.

Outro ponto crucial que deve ser abordado é a necessidade da diferenciação entre os conceitos de promoção, prevenção e educação em saúde que muitas vezes são utilizados simultaneamente como se fossem sinônimos, ocasionando confusões até mesmo entre os profissionais de saúde (SOUZA; GRUNDY, 2004). Esta diferenciação é bastante importante, pois, segundo Breilh (1997), na ciência, uma distorção mil vezes repetida acaba convertendo-se em ingrediente de uma interpretação da realidade.

A principal diferença encontrada entre prevenção e promoção está no olhar sobre o conceito de saúde, na prevenção a saúde é vista simplesmente como ausência de doenças, enquanto na promoção a saúde é encarada como um conceito positivo e multidimensional resultando desta maneira em um modelo participativo de saúde na promoção em oposição ao modelo médico de intervenção. (FREITAS, 2003). Além disto, como observa Czeresnia (2003), a compreensão adequada do que diferencia promoção de prevenção é justamente a consciência de que a incerteza do conhecimento científico não é simples limitação técnica passível de sucessivas superações; buscar a saúde é questão não só de sobrevivência, mas de qualificação da existência.

Para que se perceba a diferença entre educação em saúde e promoção da saúde faz-se necessário o esclarecimento de tais conceitos, mesmo se reconhecendo as dificuldades inerentes a tal esclarecimento. Resumidamente, pode-se afirmar que se entende por educação em saúde quaisquer combinações de experiências de aprendizagem delineadas com vistas a facilitar ações voluntárias conducentes à saúde, enquanto a promoção da saúde é uma combinação de apoios educacionais e ambientais que visam a atingir ações e condições de vida conducentes à saúde (CANDEIAS, 1997).

Deve-se destacar também que a promoção de saúde adota uma gama de estratégias políticas que abrange desde posturas conservadoras até perspectivas críticas ditas radicais ou libertárias. Sob a ótica mais conservadora, a promoção de saúde seria um meio de direcionar indivíduos a assumirem a responsabilidade por sua saúde e, ao assim fazerem, reduzirem o peso financeiro na assistência de saúde. Noutra via, reformista, a promoção da saúde atuaria como estratégia para criar mudanças na relação entre cidadãos e o Estado, pela ênfase em políticas públicas e ação intersetorial, ou ainda, pode constituir-se numa perspectiva libertária que busca mudanças sociais mais profundas - como são as propostas de educação popular (CASTIEL, 2004).

É importante também, que se reflita com cuidado antes de se afirmar que a promoção da saúde é fantástica e fascinante como declara Saan (2001), pois ao mesmo tempo que pode ser em seus aspectos ideológicos, um empreendimento de natureza holística que, conectado a dinâmicas de transformação social, demanda estratégias articuladas às necessidades sentidas, percebidas e desejadas pela população (MELLO, 2000), pode também ser um instrumento de biopoder como afirma Guilam (2003), isto é, o grande foco da educação e promoção à saúde são os riscos relacionados aos chamados estilos de vida. Indivíduos identificados como de alto risco para uma doença em particular são encorajados a mudar aspectos de suas vidas e a monitorar seu comportamento. Este projeto é dirigido no sentido de maximizar a sua própria saúde e minimizar o “peso” que o indivíduo possa causar à sociedade (GUILAM, 2003).



por TATIANA PEREIRA DAS NEVES

Biomédica (UNI-RIO), especialista em saúde pública (ENSP-FIOCRUZ), mestranda em saúde pública (ENSP-FIOCRUZ), bolsista de mestrado CNPq.

2 comentários:

Elcio Vermieiro disse...

Achei a matéria muito oportuna ao blog. Muito legal!!!

ANISIO DE FARIAS disse...

gostei muito da matéria postada, apenas lamento que a bibliografia não tenha sido publicada para podermos nos aprofundar no assunto consultando as fontes de sua pesquisa